Os diferentes conceitos de urgência e emergência em Medicina e no Direito

A Resolução n° 1.451/95 do Conselho Federal de Medicina define por urgência “a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata” e emergência como “a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo portanto, tratamento médico imediato”.

Observe que urgência é uma situação imprevista de dano à saúde em que o paciente necessita de ASSISTÊNCIA médica imediata, e não necessariamente de tratamento. Enquanto que, na emergência, o TRATAMENTO precisa ser imediato. 

A assistência médica envolve todo o conjunto de ações realizadas para a prevenção, promoção, proteção, recuperação, diagnóstico, reabilitação e também, além disso, o tratamento das condições de saúde. 

Um exemplo de urgência é uma fratura óssea exposta, em que o paciente precisa ser atendido (e não necessariamente tratado) imediatamente ou no menor tempo possível, para que se possa conter sangramentos, fazer imobilização e analgesia. Já o tratamento cirúrgico em si pode aguardar algumas horas ou dias para que seja realizado. 

Enquanto que exemplos de emergência são o acidente vascular encefálico ‘AVC’ e o infarto agudo do miocárdio, o chamado ‘ataque cardíaco’, pois requer que seja tratado de imediato a fim de evitar sequelas ou o óbito do paciente.

Contudo, cada situação deve ser analisada individualmente para ser enquadrada nos conceitos acima, uma vez que é imprescindível levar em consideração as características do paciente, tais como idade e condições de saúde prévia. Por exemplo, uma fratura óssea numa pessoa que sofre de hemofilia é um quadro muito mais grave do que em alguém sem essa condição, podendo ser enquadrada como emergência. 

Já no âmbito do Direito, não se faz distinção entre urgência e emergência, utilizando-se apenas o termo urgência que engloba as duas situações. No entanto, não existe uma definição de direito material quando se trata de demandas que envolvam saúde e necessidade de agir em tempo hábil.

O Código de Processo Civil dispõe que “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Tutelas de urgência são medidas concedidas no decorrer do processo, em especial no seu início, em razão de que aguardar toda a tramitação processual, até a prolação da sentença, causaria um dano ou colocaria em risco o direito pleiteado.

A tutela jurisdicional terá natureza urgente quando cuidar das situações em que determinado pronunciamento jurisdicional necessitar ser proferido em curto período de tempo, através de cognição sumária, por meio de técnicas antecipatórias ou assecuratórias, dada a possibilidade de dano ao direito material envolvido.

Trata-se do gênero de tutela que se destina a evitar danos oriundos da demora da prestação jurisdicional, ou da necessidade existente, conforme a natureza do direito material protegido, de obter-se o pronunciamento jurisdicional antes do exaurimento da cognição, para que a prestação jurisdicional seja tempestiva e efetiva.

Nas palavras do Ministro Teori Zavascki, o conceito de urgência que enseja tutela provisória deve ser entendido em sentido amplo, mais amplo que o sentido pelo qual é geralmente adotado, ou seja, de representar situação apta a gerar dano irreparável. A urgência, no sentido que aqui se utiliza, está presente em qualquer situação fática de risco ou embaraço à efetividade da jurisdição.

A antropóloga Armelle Giglio-Jacquemot leciona que ‘urgência’ e ‘emergência’ possuem várias acepções na língua portuguesa e ainda outras na linguagem da biomedicina brasileira, que procura lhes atribuir um sentido unívoco e operante, propriamente médico.

No que diz respeito à urgência como ‘qualidade de urgente’, a definição aponta para dois critérios que conferem essa qualidade: o fator tempo (a rapidez) e o fator necessidade (precisa ser feito). 

Referindo-se a elementos gerais propostos pelas definições, a urgência e a emergência aparecem caracterizadas da seguinte maneira: a urgência é algo que exige uma ação rápida e indispensável. A definição não aponta para qualquer caráter de gravidade, de risco ou de perigo. Enquanto emergência é o acontecimento de alguma coisa séria, cuja aparição súbita causa ou ameaça perigo. A definição não aponta para qualquer necessidade de ação rápida.

O evento da emergência não caracteriza, necessariamente, presença de risco real: a gravidade que se associa à emergência decorre mais do pânico, ou estresse, provocado pelo incidente, que pelo risco real envolvido. Assim, parece ter pouca importância para a significação do termo ‘emergência’ se o risco realmente existe, se é identificado ou conhecido. O que mais importa nas situações de emergência é chamar a atenção para o risco eventual, possível ou potencial.

No nível dos discursos, os profissionais de saúde que atuam no domínio da urgência referem-se, com frequência, à distinção entre urgência e emergência e insistem também na importância de saber a diferença entre as duas para agir de maneira adequada.

No artigo “Organização da atenção à saúde para a urgência/emergência” o Doutor em saúde pública Jairnilson Silva Paim ensina que uma emergência corresponde a um processo com risco iminente de vida, diagnosticado e tratado nas primeiras horas após sua constatação. Exige que o tratamento seja imediato diante da necessidade de manter funções vitais e evitar incapacidade ou complicações graves.

Já a urgência significa um processo agudo clínico ou cirúrgico, sem risco de vida iminente. Nesse caso há risco de evolução para complicações mais graves ou mesmo fatais, porém, não existe um risco iminente de vida.

Três sub-fatores são levados em consideração: tempo, necessidade de agir e gravidade; sendo os três intimamente ligados. Em outros termos, quanto maior é a gravidade, ou seja, maior é a iminência e a importância do ‘risco de vida’, maior é a necessidade de uma ação terapêutica e menor é o tempo para realizá-la. Quanto mais curto é o tempo, maior é a urgência. Assim, encontram-se combinados no continuum, os critérios que o dicionário indica – mas que Paim distingue – nas duas definições.

A apreciação que leva a considerar um estado ou uma situação de saúde como sendo uma urgência ou uma emergência é o resultado, na prática do médico como na do leigo, de uma combinatória plurifatorial complexa, na qual não entram somente elementos do conhecimento médico técnico. 

Essa combinatória é a conjunção de uma multiplicidade de fatores de natureza variada, tanto sociais quanto psicológicos, tanto coletivos quanto individuais, tais como, por exemplo: a idade do paciente, seu sexo, sua aparência, condição social, o tipo de mal do qual ele está padecendo, seu comportamento, o tipo de acidente sofrido, o número de vítimas, o grau de angústia e incerteza, a formação do médico, a eventual relação terapêutica existente entre ele e o doente (este é ou não ‘seu’ paciente) e também o próprio valor atribuído a um estado de saúde por parte de quem decide da sua urgência ou emergência, quer dizer, por parte de quem o valoriza como urgência ou emergência. 

A Lei n° 9.656/1998 sobre os planos de saúde, ao determinar a obrigatoriedade de cobertura de atendimentos, define casos de emergência como aqueles “que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente” e casos de urgência como “os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional”.

Como não é raro de acontecer, as definições impostas pela lei acima distanciam-se equivocadamente dos conceitos médicos. Ao regrar sobre saúde, deveria o legislador ater-se aos conceitos técnicos.

Esses conceitos são relevantes para as demandas judiciais que envolvem o direito à saúde, mesmo que o atendimento já tenha sido prestado. Por exemplo, quando se discute, contra operadora de plano de saúde, sobre o direito ao reembolso em caso de indisponibilidade de atendimento pela rede credenciada em situação de urgência ou emergência.

Nas ações em que se pleiteia o fornecimento de um tratamento de saúde, seja através de plano de saúde ou por parte dos entes públicos, é cada vez mais comum a atuação do NatJus – Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário, um órgão de natureza consultiva disponível aos Magistrados, composto por técnicos especialistas em saúde para os quais solicita-se apoio técnico quando levados a decidir sobre a concessão de tecnologias em saúde, medicamentos, procedimentos ou materiais.

Uma das questões respondidas pelo NatJus é se justifica-se ou não a alegação de urgência conforme definição do CFM. Em caso afirmativo, as justificativas são: risco de lesão de órgão, comprometimento de função ou risco potencial de vida. 

No entanto, há inúmeros casos em que não se trata nem de urgência e nem de emergência propriamente ditas na medicina, mas que o decorrer do processo judicial seria demasiado moroso e faria com que a espera por um provimento judicial definitivo comprometesse a eficácia do tratamento. Por exemplo, em se tratando de terapias multidisciplinares – fisioterapia, fonoaudiologia, psicoterapia, etc – que são necessárias para o desenvolvimento sadio de bebês e crianças, em razão da neuroplasticidade, justifica-se a concessão de tutelas de urgência, inclusive por meio de medida liminar. 

Referências:

Giglio-Jacquemot, A. Definições de urgência e emergência: critérios e limitações. In: Urgências e emergências em saúde: perspectivas de profissionais e usuários. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.

Souza, Artur César de. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência. São Paulo: Almedina, 2016.

Teori Albino Zavascki. Antecipação da tutela – 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

Lamy, Eduardo. Tutela provisória. São Paulo: Atlas, 2018.

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