Um paciente buscou o médico angiologista por causa de dores e edemas nas pernas. Após exame, foi diagnosticado com refluxo em veias safenas magnas dos membros inferiores e varizes calibrosas, tendo sido indicada varicectomia bilateral (cirurgia para excisão de veias varicosas nas duas pernas).
Ocorre que, logo no início do procedimento, houve o rompimento da veia femoral comum direita, e foi preciso fazer a reconstrução da mesma com a interposição (enxerto) da veia safena e restabelecimento do fluxo sanguíneo, para evitar maior hemorragia. Com isso, o restante da cirurgia de varicectomia precisou ser suspensa.
Segundo o paciente ele quase foi a óbito, ou poderia ter tido sua perna amputada. Indignado, ajuizou uma ação contra o profissional acusando-o de erro médico e requerendo indenização por danos materiais, morais e estéticos sofridos. Materiais porque teve despesas com o procedimento, entre remédios, meias e ataduras. Morais em razão de todo o abalo psicológico que a situação lhe causou, inclusive com o afastamento das atividades operacionais como policial. E danos estéticos em decorrência da grande cicatriz adquirida na região da virilha.
Em sua defesa, o médico cirurgião vascular contou a sua versão sobre o ocorrido. Disse que, embora a cirurgia tivesse baixo risco intrínseco, o rompimento da veia femoral é uma complicação amplamente prevista da literatura médica aplicável ao caso, passível de ocorrência justamente quando há refluxo nas veias safenas em razão de sua localização, da abordagem cirúrgica e das idiossincrasias do organismo.
Para instruir o feito foi produzida prova pericial. O médico perito explicou que as varizes são parte de uma doença chamada Insuficiência Venosa Crônica (IVC), e que a cirurgia havia sido bem indicada para o caso daquele paciente. Contudo, a lesão de veia femoral é uma complicação prevista na literatura, com alta mortalidade, e que demanda habilidade cirúrgica para diagnóstico e tratamento em tempo adequado, como ocorreu neste caso. Caso contrário, o sangramento não controlado poderia ter levado ao óbito.
Assim, o perito concluiu que o tratamento da intercorrência se deu adequadamente conforme a literatura médica, e que foi correto ter interrompido o procedimento inicialmente proposto, considerando-se os riscos e benefícios. “Uma vez havido sangramento significativo no início do procedimento era arriscado que com outras abordagens no mesmo momento houvesse perda de sangue significativa o bastante para tornar o paciente instável hemodinamicamente. Uma vez que a varicectomia não era urgente, não se justificava prosseguir.”
Além disso, examinou a cicatriz e disse ter tamanho compatível com a cirurgia. Questionado se o tratamento poderia ter sido feito através de outro método como escleroterapia, laser ou radiofrequência, respondeu que “talvez com laser ou radiofrequência, no entanto, poderiam não ser tão eficazes considerando o calibre dos vasos, e também não são isentos de risco. A escolha cirúrgica pela safenectomia é amplamente usada, com longo histórico de sua utilização, sendo bem consagrado”.
O perito também observou uma questão de grande importância: que o paciente havia sido previamente informado sobre os possíveis riscos inerentes à cirurgia, com a assinatura de termo de consentimento.
O juiz da causa entendeu que não houve desvio de conduta ou inobservância de normas técnicas na realização do procedimento cirúrgico, considerando que a intercorrência ocorrida é prevista, e, assim, julgou a ação improcedente. O paciente recorreu, mas o Tribunal manteve a sentença, com base na responsabilidade subjetiva do médico e na obrigação de meio.
“Nesse contexto, pelo conjunto fático-probatório do feito não restou caracterizado o ato ilícito, pois não houve conduta médica desviante do padrão técnico esperado. A ocorrência de complicações, ainda que graves, não configura, por si só, erro médico, sobretudo quando devidamente enfrentadas com diligência e conhecimento técnico.
As sequelas estéticas (cicatriz visível) e os transtornos emocionais decorrentes do procedimento, ainda que lamentáveis, decorrem de evento cirúrgico imprevisto, porém manejado corretamente, e não de conduta culposa. Portanto, ausentes os requisitos para configurar responsabilidade civil, impõe-se a manutenção da sentença de improcedência.”