A problemática do valor da causa e custas processuais em ações de medicamentos de alto custo

São inúmeras as ações judiciais em que pacientes pleiteiam do poder público o fornecimento de medicamentos de alto custo.  

Sabe-se que o valor da causa deve corresponder a uma prestação anual. Ou seja: tendo como exemplo um tratamento medicamentoso que custa 150 mil reais por mês, o valor anual será de 1 milhão e 800 mil reais. 

Aqui no Rio Grande do Sul, não tendo a parte autora direito ao benefício da justiça gratuita, nesse caso o valor das custas processuais será de 45 mil reais. 

Apesar de o demandante possuir fonte de renda num patamar que não lhe permite ser completamente beneficiário da justiça gratuita, a sua condição financeira não é vultosa suficiente a ponto de lhe permitir pagar um valor tão alto de custas processuais. Tampouco possui capacidade financeira de arcar com o custo do medicamento.

Eis que o objeto da ação é o fornecimento de medicamento de altíssimo custo, exigir o pagamento das custas calculadas com base no valor da causa de 1 milhão e 800 reais inviabiliza absolutamente o acesso à Justiça, que é princípio fundamental disposto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição Federal. O alto valor das custas processuais obstaculiza o exercício do direito de ação.

O valor da causa não contempla a forma mais adequada de serem cobradas as custas processuais no ordenamento jurídico. Deve-se compreender os critérios adotados para a quantificação da cobrança da taxa de custas processuais, tendo como características diretas as próprias características deste tributo. 

Há de se recordar o art. 145, inc. II da Constituição Federal e o art. 77 do Código Tributário Nacional, os quais ressaltam explicitamente que taxa é tributo vinculado à atividade estatal realizada, devendo ser o serviço público específico e divisível. 

Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes (Doutrina e prática das taxas, Revista dos Tribunais), os critérios adotados são: critério do custo global da atividade estatal, critério do custo parcial da atividade estatal, critério da vantagem auferida do serviço e critério da capacidade contributiva. 

Este último critério revela que a taxa deve levar em conta, sempre, a capacidade econômica do contribuinte. Ao encontro disso, a teoria da razoável equivalência exige uma proporção razoável entre o produto da taxa e o seu custo total, coibindo-se a taxa em que o valor arrecadado seja desmesuradamente superior aos gastos que o serviço demanda.

A desproporção entre o valor da taxa e o custo dos serviços viola o princípio da proporcionalidade, princípio constitucional e fundamento de um novo Estado de Direito. 

Dessa forma, não havendo correspondência entre a taxa e o custo da atividade estatal, estar-se-á violando as limitações constitucionais ao poder de tributar previstas no art. 150 da Constituição Federal, que se constituem nas mais importantes normas protetivas do estatuto dos contribuintes.

A Súmula nº 667 do Supremo Tribunal Federal anuncia que “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”. 

Assim, a Corte reconhece a natureza de taxa das custas processuais, e admite sua variação segundo o valor da causa, desde que haja razoabilidade e limite, sem ofender o princípio do acesso à Justiça. 

Nesse sentido, sobre a limitação do princípio do acesso à Justiça em relação ao pagamento das custas processuais, destaca-se que a cobrança deve ser feita de maneira proporcional ao serviço público prestado, de forma que, se for calculada sem qualquer limite, afronta a garantia constitucional. 

O tributo denominado taxa deve ter o fato gerador vinculado a um serviço a ser prestado pela administração pública, bem como deve ser diretamente proporcional ao custeio da contraprestação do Estado.

A partir da natureza de tributo como taxa, ressalta-se a necessidade de proporcionalidade entre o valor cobrado e o serviço prestado, requisito essencial à espécie tributária em questão. 

Sacha Calmon Navarro Coelho (O controle de constitucionalidade das leis e do poder de tributar na Constituição de 1988, Editora Del Rey) menciona que a base de cálculo das taxas deve medir necessariamente a atuação do Estado, e não se reportar a um fato estranho à sua hipótese de incidência. 

Em relação à cobrança das custas sobre o valor da causa, Leandro Paulsen (Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, Livraria do Advogado) afirma que o valor da causa não é medida da atividade estatal desenvolvida, traduzindo, portanto, violação da natureza jurídica da taxa. 

Tem-se que o valor da causa não dimensiona o serviço público prestado, limitando o acesso à Justiça e infringindo as características de taxa das custas processuais. 

No mesmo sentido, Kiyoshi Harada (Direito Financeiro e Tributário, Editora Atlas) entende que fazer incidir um percentual fixo sobre o valor atribuído à causa, sem imposição de limite, como acontece, não guarda qualquer relação com o custo do serviço público específico e divisível prestado ao usuário da Justiça.

Afinal, pergunta-se: a movimentação da máquina judiciária envolvendo causa de valor elevado custa mais ao Estado do que a sua movimentação em torno de uma causa de menor valor?

A problemática vem evoluindo no meio jurídico, principalmente com a tramitação de Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que versam sobre a inconstitucionalidade de leis estaduais que têm a cobrança das custas processuais sobre o valor da causa. 

Uma vez que as custas processuais possuem natureza jurídica de taxa, a cobrança sobre o valor da causa contrapõe-se à característica de ter relação com o serviço prestado, infringindo, com isso, as características próprias desse tributo, além de infringir o princípio constitucional do acesso à Justiça. 

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina solucionou a questão ao entender por ser possível o deferimento parcial do benefício da justiça gratuita quando a análise da situação fática conclui que a cobrança de custas calculadas de modo desproporcional impede o acesso à Justiça, à luz do princípio da razoabilidade (Agravo de Instrumento nº 5004212-67.2022.8.24.0000/SC).

Verificando-se que as custas iniciais do feito ultrapassaram valor bastante considerável no orçamento da maior parte das famílias brasileiras, e considerando também que a gratuidade da justiça se destina àqueles cujo pagamento das custas prejudicaria o próprio sustento, é perfeitamente cabível a concessão parcial da justiça ao demandante.

Assim sendo, os critérios estabelecidos pelos regimentos de custas dos tribunais não devem dispensar a análise pormenorizada dos autos, a fim de aferir a hipossuficiência no caso concreto. 

Cabe observar o previsto no art. 375 do Código de Processo Civil: “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”. 

Outrossim, sabe-se que o valor dos honorários advocatícios nas ações que envolvem medicamentos de alto custo não são arbitrados com base no valor da causa. Logo, se é cabível a fixação de honorários de maneira equitativa, assim também deve ser em relação às custas:

“Ações relacionadas a medicamentos devem ser tratadas como de valor inestimável, pois os bens almejados são a vida e a saúde, e não apenas o fornecimento em si e o respectivo valor do fármaco, inexistindo acréscimo patrimonial em favor da parte autora. Sendo assim, a fixação dos honorários advocatícios, por apreciação equitativa, com base no art. 85, §8°, do Código de Processo Civil, para a hipótese contida nos autos, mostra-se mais adequada, não se havendo falar em proveito econômico ou valor da causa para fins de justificar o arbitramento da verba com fulcro no art. 85, §3°, do Código de Processo Civil.” (Apelação Cível nº 70081619538/RS)

Há de prevalecer a garantia do amplo acesso à Justiça.


Referências bibliográficas:

SACCHIS, Bianca Rocha; CEZNE, Andrea Narriman. A inconstitucionalidade da cobrança das custas processuais sobre o valor da causa perante a natureza jurídica tributária. Revista da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT), Porto Alegre, v. 3, p. 45-61, jan./jun. 2009. Disponível em: https://www.fesdt.org.br/docs/revistas/3/artigos/3.pdf

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