Uma paciente ingressou com ação judicial contra um médico ginecologista, pleiteando indenização por danos morais após problemas relacionados à sua gestação.
A paciente relatou que fazia tratamento medicamentoso com o objetivo de engravidar, até que certo dia sentiu fortes cólicas e, então, foi realizada uma ecografia que teria identificado gravidez ectópica, confirmada por exame positivo de Beta HCG.
Preocupada, a paciente procurou atendimento em hospital, onde foi internada e atendida pelo ginecologista de plantão, que, segundo o relato da paciente, indicou a realização de cirurgia (laparotomia exploradora) para remoção do embrião, devido ao risco de rompimento da trompa que poderia levá-la ao óbito. A cirurgia foi realizada por este médico.
Alguns dias após o procedimento e a alta hospitalar, a paciente apresentou mal-estar com náusea e vômitos, então procurou seu médico particular que recomendou a realização de um teste de gravidez, o qual resultou positivo para gestação de aproximadamente sete semanas. Através de ultrassom foram constatados gêmeos com vida intrauterina. O que significava que essa gestação já existia e não havia sido identificada na ocasião da cirurgia.
A paciente procedeu com o acompanhamento pré-natal da gestação de risco, no entanto, entrou em trabalho de parto extremamente prematuro com 21 semanas e, infelizmente, os bebês foram a óbito.
Alguns meses depois, ao receber o resultado da biópsia do embrião removido pela laparotomia, seu médico particular identificou que na realidade não se tratava de um embrião, mas sim de um hematoma de um corpo lúteo (glândula endócrina temporária que se forma após a ovulação e funciona como fonte de hormônios reprodutivos), e opinou que a cirurgia teria sido realizada sem necessidade.
Por isso a paciente alegou que o ginecologista do hospital teria cometido um erro grosseiro de diagnóstico, agindo de forma negligente, tendo prejudicado a sua gestação e colocado sua vida em risco, além de tê-la deixado traumatizada pelo insucesso do sonho de ser mãe. A paciente afirmou inclusive que a cirurgia teria lhe causado aderências pélvicas, o que levou a infertilidade.
Durante o processo judicial, pela análise dos documentos médicos, se pôde verificar que a ecografia inicialmente realizada se referiu a um cisto espesso no ovário, que poderia ser um corpo lúteo ou uma gravidez ectópica, sem afirmar um ou outro. Também constatou a presença de líquido livre na pelve.
Em sua defesa, o ginecologista do hospital relatou que os exames de imagem, bem como o exame físico realizado na paciente, juntamente com seus sinais e sintomas apresentados ao dar entrada no hospital, levaram à conclusão diagnóstica de gravidez ectópica. Que a cirurgia foi indicada de acordo com a literatura médica, e realizada após conversa com a paciente sobre os riscos de realizá-la ou não, e assinatura de termo de consentimento.
Esclareceu que durante a cirurgia não viu alterações nas trompas, mas que havia um cisto no ovário cujo aspecto não parecia ser de corpo lúteo. Não tendo sido encontradas outras alterações compatíveis com gravidez ectópica, o cisto foi removido e enviado para análise anatomopatológica. O procedimento se deu sem intercorrências.
Relatou ainda, que, após o procedimento, encontrou a paciente na sala de recuperação e explicou a ela sobre o que havia sido encontrado na cirurgia: uma possível gravidez ectópica ovariana. Mas que se deveria aguardar pelo resultado da análise anatomopatológica para confirmação da hipótese diagnóstica.
Disse, ainda, que não houve a remoção de qualquer órgão ou estrutura reprodutiva que pudesse comprometer uma futura gestação. Que a cirurgia não teria causado nenhum dano à paciente e nem ao feto, tanto é que a gestação dos gêmeos evoluiu. Afirmou que o parto prematuro não teve relação com a laparotomia anteriormente realizada.
Ainda segundo o médico do hospital, a paciente não informou que fazia uso de medicação para induzir ovulação com o objetivo de engravidar, fato que levou ao equívoco quanto à hipótese diagnóstica, inclusive por parte do ecografista. Mas que, mesmo assim, a cirurgia ainda era indicada.
Na fase processual de produção de provas, foi realizada perícia judicial. O médico perito esclareceu que:
“Patologias podem apresentar mesmos sinais e sintomas, e mesmo com realização de exames complementares, há dificuldade ou impossibilidade de precisar o diagnóstico. Há patologias, como uma apendicite e cisto ovariano roto, que levam a um procedimento cirúrgico para identificação e tratamento. No caso em tela, a ecografia, o β-HCG e o exame clínico indicavam diagnóstico de uma gestação ectópica rota. O valor do β-HCG elevado devido a gestação gemelar, levou ao ecografista considerar que era necessário visualizar o saco gestacional intrauterino. Como não visualizou considerou a possibilidade de gestação ectópica.
Também o uso de indutor de ovulação, CLOMID® (clomifeno), pode levar a formação de vários cistos ovulatórios, que com ruptura destes, podem causar líquido livre na cavidade peritoneal, achado ecográfico nos casos de gestação ectópica rota. O diagnóstico diferencial entre a gestação ectópica rota e cisto de ovário roto somente ocorreu com o exame anatomopatológico e o exame de β-HCG realizado após a cirurgia. Logo, somente o diagnóstico preciso foi possível após a cirurgia realizada.
A discussão entre conduta expectante e realização do procedimento cirúrgico imediato no caso, a conduta cirúrgica se impõem como correta pois a presença de moderada de líquido livre na cavidade peritoneal sugeria que este líquido seria sangue, diagnosticando uma gestação ectópica rota sem repercussão hemodinâmica no momento. A literatura identifica que a ruptura da gestação ectópica com sangramento é causa de morte materna por choque hipovolêmico (hemorrágico). Logo, a não intervenção no momento, poderia levar ao óbito da periciada. A indicação estava correta pois, a periciada estaria correndo risco de óbito eminente, com os dados que o médico assistente possuía.”
Ainda, o perito identificou os motivos do diagnóstico incorreto:
“O motivo foi que na realidade se tratava de uma gestação gemelar, o que fez aumentar o valor do β-HCG circulante em níveis superiores ao de uma gestação única. Os valores aumentados (> 1500mU/ml) em uma gestação gemelar ocorrem antes das 05 (cinco semanas), logo a ecografia pode não mostrar uma gestação intrauterina (tópica), o que ocorreu pela constatação do médico ecografista de ausência de saco gestacional intrauterino, conforme laudo emitido. Sendo assim existia uma gestação intrauterina em curso, sem possibilidade de detecção pelo exame ecográfico. O uso de Clomid®, conforme informação da periciada, pode levar a hiperestimulação ovariana, podendo ocorrer formação e ruptura de cistos ovarianos, que causam dor e líquido livre na cavidade peritoneal. Não há registro pelos médicos assistentes na internação sobre uso de Clomid®.
Sem ter possibilidade do conhecimento de uma gestação gemelar e sem saber do uso do indutor de ovulação, os médicos assistentes foram levados ao erro do diagnóstico de gestação ectópica rota. (…) Devido ao valor do β-HCG estar elevado por ser uma gestação gemelar, indicou que era necessário visualizar o saco gestacional intraútero, o que não foi identificado por ter menos de 04 semanas e 03 dias. Logo, dosagem de β-HCG > 1500mU/ml, sem visualização de saco gestacional, indicava forte suspeita de gestação ectópica. (…)
A hipótese diagnóstica foi realizada de maneira correta, usando os exames clínicos e complementares, mas por uma situação especial (laudo de ecografia sem visualizar saco gestacional e valor do β-HCG elevado por uma gestação gemelar tópica) levou ao erro de diagnóstico apesar do raciocínio médico correto. (…) O tratamento cirúrgico foi adequado para hipótese diagnóstica mais provável.”
Além disso, o perito referiu não ter havido relação direta entre a laparotomia e o posterior parto prematuro, que é uma complicação frequente da gestação gemelar. Ou seja, a conduta do médico não prejudicou a gravidez, como alegava a paciente. E no que se refere às aderências pélvicas, o perito esclareceu que são consequências naturais e comuns do procedimento cirúrgico, e que, embora possam causar infertilidade em razão da obstrução das trompas, existem tratamentos possíveis, inclusive fertilização in vitro em casos mais graves.
Assim, diante das provas produzidas, o magistrado julgou improcedente o pedido de indenização, considerando que o médico demandado agiu conforme as informações que possuía, que tratava-se de um caso de urgência com risco de vida, que não houve negligência, e que a cirurgia era necessária para a confirmação (ou não) do diagnóstico. A paciente recorreu, porém a decisão do juízo de primeiro grau foi mantida pelo Tribunal de Justiça.