Um jovem de 23 anos procurou o pronto atendimento apresentando tosse e febre. O médico que o atendeu realizou exame físico e deu como hipótese diagnóstica uma crise de asma, prescreveu medicamentos sintomáticos e liberou o paciente.
Sem perceber melhora, o paciente retornou no dia seguinte com as mesmas queixas, além de dores no corpo. O médico suspeitou que pudesse ser dengue ou uma virose, solicitou sorologia (com posterior resultado negativo) e radiografia de tórax cujo resultado foi “sem sinais de consolidação ou massa”.
Ainda sem perceber melhora, no dia seguinte o paciente procurou outro hospital, onde o médico que o atendeu solicitou um hemograma e nova radiografia de tórax, cujo laudo descreveu “velamento na base pulmonar esquerda sugerindo processo pneumônico. apagamento do seio costo-frênico esquerdo”. Já o resultado do hemograma, “leucocitose com neutrofilia” foi compatível com um processo infeccioso agudo.
Assim, firmou o diagnóstico de gripe (Influenza), prescreveu medicamentos, orientou ao paciente que parasse de fumar, e o liberou com um atestado para repouso.
Ocorre que dois dias depois o paciente deu entrada no pronto socorro em parada cardiorrespiratória, com histórico de hemoptise 24h antes e, não sendo possível reanimá-lo, foi a óbito.
Realizada a necropsia, a causa da morte foi definida como broncopneumonia bilateral severa e insuficiência respiratória aguda. Na certidão de óbito constou “insuficiência respiratória aguda, broncopneumonia bilateral severa, cardiopatia hipertensiva esquerda”.
Inconformada, a mãe do paciente ingressou com processo judicial contra ambos os hospitais e ambos os médicos, entendendo que o filho deveria ter sido internado para tratamento.
Ambos os réus defenderam-se dizendo que o atendimento prestado foi correto, segundo as diretrizes médicas, e que não havia necessidade de internação, segundo os critérios de avaliação.
O primeiro hospital, bem como a médica que nele atendeu, argumentaram que o paciente abandonou o tratamento, pois não retornou ao apresentar novas queixas, para que pudesse ser prestada a continuidade da assistência.
Já o segundo hospital e segundo médico argumentaram que o paciente omitiu as consultas anteriores, o que era importante para fechar o diagnóstico, e que omitiu também ser usuário de crack e hipertenso. Alegaram que as queixas sintomáticas haviam sido mascaradas pelo tratamento medicamentoso inicial, e que a pneumonia provavelmente decorreu da evolução de uma virose.
A perícia judicial concluiu não haver nexo de causalidade entre os atendimentos prestados pelos médicos e o óbito do paciente. Este apresentava condições preexistentes (hipertensão, tabagismo e cardiomiopatia) sem tratamento, que certamente contribuíram para a falência respiratória e os múltiplos órgãos comprometidos observados na necropsia. Portanto, não restou comprovada a ocorrência de negligência médica.
“Os critérios da literatura médica para definir pacientes que devem ser tratados ambulatorialmente ou internados não foram preenchidos pelo de cujus para tratamento hospitalar. Pela estratificação por classes de risco, o paciente apresentava risco baixo, sendo adequado o tratamento ambulatorial instituído” disse o perito.
O problema cardíaco do paciente (cardiomiopatia hipertrófica com fibrose intersticial em parede ventricular esquerda) não foi mencionado durante as consultas médicas, tendo sido descoberto apenas durante o exame necroscópico, aspecto que mostra-se preponderante para a precisão do diagnóstico clínico.
Mesmo se o primeiro médico tivesse feito o diagnóstico correto da patologia pulmonar e iniciado antibioticoterapia na primeira consulta, isso não mudaria o prognóstico do paciente. O paciente receberia apenas um dia a mais de antibiótico, o que não alteraria o curso da história clínica, considerando seus antecedentes de tabagismo crônico, hipertensão não tratada e as alterações cardíacas posteriormente descobertas.
Desse modo decidiu o juiz:
“Não há como reconhecer a responsabilidade civil dos médicos ou do hospital pelo óbito do paciente, porquanto inexiste prova da existência de falha técnica ou omissão no atendimento, tendo sido realizados os procedimentos diagnósticos e terapêuticos adequados para o quadro clínico apresentado. O diagnóstico inicial de dengue, ainda que posteriormente não confirmado, baseou-se nas informações disponíveis naquele momento, de modo que não se pode concluir ter havido erro grosseiro.”
Assim, a ação foi julgada improcedente e, após recurso, a sentença foi mantida pelo Tribunal.