Planos de saúde para nossos amados animais de estimação já são comercializados há algum tempo, em especial para cães e gatos. Recentemente houve um crescimento desse mercado, junto à expansão da oferta de demais produtos e serviços voltados ao setor.
Os planos mais básicos e acessíveis oferecem consultas com veterinários generalistas, vacinas e exames laboratoriais simples. Já os planos mais completos e, por consequência, com mensalidades de maior valor, dispõem também de consultas com especialistas, diversos tipos de exames de alta complexidade, procedimentos clínicos, cirúrgicos, anestesia, internação, fisioterapia e até mesmo cremação.
Diferentemente dos planos de saúde para seres humanos, que são regulados e fiscalizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, além de existir uma lei própria e mais diversas resoluções e atos normativos, não existe um órgão equivalente que cumpra esse papel em se tratando de assistência à saúde animal, tampouco legislação específica.
No entanto, já tramita, desde 2019, um Projeto de Lei que busca estabelecer normas relativas ao funcionamento de operadoras de planos de saúde animal. Por exemplo, esse projeto sugere que as operadoras devem ter registro perante os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, e que o prazo de cobertura parcial temporária – período em que o plano não oferece cobertura para tratamento de doenças e lesões preexistentes – deve ser de no máximo seis meses (a título de comparação, para humanos, o prazo é de dois anos).
Enquanto isso, aplicam-se aos planos de saúde pet as disposições gerais da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, órgão vinculado ao Ministério da Economia, responsável pelo controle e fiscalização de todo o mercado de seguros, e do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, que fixa as diretrizes e normas da política de seguros privados.
Além disso, é muito importante saber que também se aplica o Código de Defesa do Consumidor, pois os planos de saúde para pets são produtos adquiridos por tutores de animais na condição de consumidores, mediante contratação com as operadoras que figuram como fornecedores.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece normas de proteção com o objetivo de atender às necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, interesses econômicos, qualidade de vida, proteção contra práticas comerciais abusivas, desleais, prejudiciais ou perigosas, bem como promover transparência e harmonia nas relações de consumo.
Diante de um impasse entre fornecedor e consumidor, este pode registrar uma reclamação formal no Procon, na tentativa de solucionar o problema com intermédio do órgão público. Pode, ainda, buscar outras formas extrajudiciais de resolução, partindo de tratativas administrativas.
Não sendo possível resolver dessas maneiras, pode ser preciso recorrer ao Judiciário, cujo entendimento sobre o assunto ainda está em evolução, mas já considera que existem relações de afeto entre pessoas e animais, que são seres dotados de sensibilidade.
Veja abaixo exemplos de situações que envolvem processos contra planos de saúde para pets:
Negativa de tratamento com radioterapia para tumor no cérebro de um cão
Uma tutora precisou buscar atendimento de emergência para seu cão da raça Cocker Spaniel, com 13 anos de idade, que apresentou súbito mal-estar. Como o animal possuía plano de saúde com ampla cobertura, que já vinha sendo utilizado normalmente, foi levado a uma clínica credenciada.
A realização de uma ressonância magnética permitiu o diagnóstico de um tumor no cérebro do animal (neoplasia intracraniana), já com a presença de edema. Por isso, imediatamente a equipe médica encaminhou o paciente para tratamento com radioterapia, diante do risco de o tumor aumentar de tamanho e os sintomas se agravarem, podendo levar ao óbito.
No entanto, a operadora do plano de saúde não autorizou a radioterapia, alegando que esse tratamento não constava na tabela de procedimentos aos quais o plano oferecia cobertura.
A tutora, então, ingressou com ação no Juizado Especial contra o plano de saúde. Inicialmente, o juiz não deu razão à ela, por isso foi preciso interpor recurso.
Felizmente, a Turma Recursal reformou a decisão e condenou a operadora do plano de saúde a cobrir todo o tratamento com radioterapia, em número ilimitado de sessões, na rede credenciada ou em clínica indicada pelo médico veterinário.
Além disso, a empresa responsável pelo plano de saúde também teve que pagar à tutora um valor a título de indenização por danos morais, em razão do estresse e abalo psicológico sofrido, considerando que o caso envolveu a saúde e o bem-estar de um animal de estimação que possui íntima e profunda ligação com sua tutora.
Os magistrados do Tribunal fundamentaram a decisão observando o fato de que a tabela de procedimentos autorizados não constava no contrato, nem como anexo. A tabela estava disponível tão somente na internet, no site da empresa, o que não satisfaz o direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os serviços contratados. Assim, concluiu-se que a consumidora não teve prévia ciência dos procedimentos aos quais haveria cobertura.
Ademais, verificou-se que havia cobertura para consulta com especialista em oncologia, bem como cirurgia para remoção de tumores em diversos órgãos do corpo, além de quimioterapia. Logo, houve o entendimento de que também deveria haver cobertura para a radioterapia.
Ainda, foi pontuado que, se a doença em questão possuía cobertura, o plano de saúde não poderia limitar qual seria o tratamento. Isso configura uma conduta ilícita, pois é o médico veterinário quem decide qual tratamento deve ser realizado.
Tratamentos de urgência devem ser cobertos mesmo durante período de carência
Uma cadela da raça Shih-Tzu, com 14 anos de idade, foi levada por sua tutora a uma clínica veterinária onde deu entrada em estado grave, pois apresentava febre, hipotensão e secreção na vulva. Foi diagnosticada com piometra (infecção no útero), tendo sido necessário realizar cirurgia em caráter de emergência.
A tutora havia contratado um plano de saúde para o animal, no entanto, a operadora do plano se negou a cobrir o procedimento, sob alegação de que o contrato ainda estava no período de carência, e que não se tratava de um caso de emergência, argumentando que não havia necessidade de realizar a cirurgia de imediato. Assim, a tutora teve que arcar com as despesas da cirurgia por conta própria, pois foi cobrada pela clínica.
Após, a fim de reaver os valores gastos, a tutora ingressou com ação judicial contra a operadora do plano, que foi condenada a ressarcir as despesas havidas com a cirurgia, acrescidas de juros e correção monetária, pois ficou comprovado que realmente se tratava de um caso de emergência.
Ao decidir, o Tribunal considerou que, como os contratos de planos de saúde são contratos de adesão – ou seja, contratos “prontos”, que não possibilitam ao consumidor discutir previamente o conteúdo dos termos e cláusulas – , quando há um desentendimento entre as partes, a lei determina que os contratos desse tipo devem ser interpretados da maneira mais favorável ao consumidor, o protegendo de cláusulas abusivas.
Cancelamento indevido do plano de saúde de animal em tratamento
A tutora de um cachorro da raça Poodle, com 12 anos de idade, já utilizava o plano de saúde pet desde a sua contratação 8 anos atrás, pois o animal sofria de cardiopatia e outras doenças. Havia a necessidade de realizar exames periódicos, em especial o ecodopplercardiograma.
No entanto, a operadora do plano não autorizava a cobertura desse exame, o que levou a tutora a ingressar com ações judiciais repetidas vezes, que sempre resultaram na condenação da operadora a custear o exame.
Ocorre que, certo dia, a tutora foi surpreendida ao receber uma comunicação da operadora informando que o plano de saúde de seu animal não seria renovado naquele ano. Ou seja, estaria ocorrendo rescisão (cancelamento) unilateral, em razão da ausência de interesse na renovação por parte da operadora, mesmo a tutora efetuando o pagamento de todas as mensalidades em dia.
Insatisfeita, a tutora novamente acionou a Justiça, a fim de que o plano de saúde de seu animal fosse mantido, pois, caso contrário, a saúde do cão seria gravemente prejudicada, tendo em vista que ele estava em tratamento médico.
O Tribunal julgou a ação procedente, deterninando o restabelecimento do plano de saúde e proibindo o cancelamento injustificado por parte da operadora, considerando que, embora houvesse no contrato uma cláusula prevendo a possibilidade de cancelamento, essa cláusula era abusiva e colocava o consumidor em desvantagem.
Isso pois deve-se buscar o equilíbrio contratual nas relações de consumo, de modo a valorizar a confiança depositada no vínculo e a boa-fé das partes. Ao se permitir o cancelamento a qualquer momento, estando a tutora em dia com as suas obrigações, a operadora estaria deixando a consumidora desamparada.
Além da manutenção do plano de saúde pet, a operadora foi também condenada a efetuar o pagamento de uma indenização pelos danos morais que causou.