Processos contra veterinários: como evitar e o que fazer caso aconteça

Assim como qualquer outro profissional que lida com vidas e com a saúde, os médicos veterinários também podem ser processados por erros profissionais.

Existem os processos ético-profissionais no âmbito dos Conselhos de Medicina Veterinária, que iniciam com uma sindicância, e ocorrem quando houver suspeita de que o profissional tenha cometido alguma infração ao Código de Ética da profissão. Se for condenado, pode sofrer uma pena de advertência, censura, suspensão ou até cassação do exercício profissional.

E há também os processos na Justiça, que podem levar à condenação ao pagamento de indenização, conforme o dano que o veterinário tenha causado. Existem dois tipos principais: os danos materiais e os morais. Os materiais são aquilo que se pode precificar, por exemplo, o valor de um medicamento ou de uma cirurgia. Já os danos morais possuem um aspecto psicológico, e afetam os sentimentos das pessoas, por exemplo, a dor de perder um animal de estimação.

Veja a seguir dois exemplos de processos judiciais em que médicos veterinários tiveram que pagar indenização:

Negligência no atendimento

Uma tutora levou a sua gata de estimação a uma clínica veterinária para receber o reforço anual das vacinas antirrábica e quádrupla felina. Passadas duas semanas, o animal apresentou mal estar, febre e falta de apetite. Em retorno à clínica, o médico veterinário descartou a relação entre as vacinas administradas e os sintomas apresentados, e solicitou um exame de sangue que indicou alteração na amilase. Realizou o diagnóstico de pancreatite e prescreveu medicamentos, bem como orientou a tutora a incentivar a alimentação do animal com uso de seringas e ração pastosa.

A gatinha não melhorou. Pelo contrário, passou a apresentar prostração, e, tendo retornado à clínica, foi realizada fluidoterapia e passou o dia em observação. Novamente sem apresentar melhora do quadro, o médico veterinário prescreveu antibiótico para tratar os sintomas de gripe, e, mesmo quando questionado pela tutora sobre a necessidade de internação do animal, disse que era necessário aguardar o efeito do antibiótico.

Diante da não melhora do estado clínico do animal, sua tutora o levou a uma outra clínica veterinária, onde foram realizados exames de imagem pelos quais foi possível diagnosticar a doença tríade felina. A veterinária responsável disse que o animal já deveria ter sido internado para tratamento devido aos sinais que apresentava, e iniciou tratamento com nebulização, antibióticos e sonda esofágica para alimentação. A gata sofreu ainda de vasculite, o que levou à amputação de parte de sua cauda.

A tutora ingressou com um processo judicial contra o primeiro veterinário. Durante o processo, através de testemunhas, foi constatado que ele não deu ao animal a atenção necessária, pois as alterações hepáticas que apareceram no exame de sangue já eram indicativos da doença tríade felina, contudo ele não prosseguiu com a investigação diagnóstica e deixou de realizar o tratamento correto.

Apesar de que a vacinação não teve nenhuma relação com o mal estar e o quadro desenvolvido, o veterinário, ao deixar de dar ao caso a importância necessária, contribuiu para que o estado de saúde da gata piorasse. Ele não atuou de forma a evitar que a doença evoluísse, não solicitou exames de imagens, não prescreveu o tratamento adequado e não determinou a internação da gata, mesmo tendo ciência, depois de dias de acompanhamento, que ela estava demasiadamente debilitada.

Assim, considerando que o veterinário agiu com negligência no trato do animal, eis que a sua conduta contribuiu para o agravamento do estado de saúde da gata, e diante da necessidade de internação para tratamento, ele foi condenado ao pagamento de danos materiais relativos ao período de internação, bem como danos morais pelo sofrimento causado.

Síndrome do ovário remanescente

Uma tutora buscou uma clínica veterinária para realizar a cirurgia de castração em sua gata. Contudo, após o procedimento, de tempos em tempos, o animal aparentava estar no cio. Por isso, foi realizado um ultrassom que evidenciou a presença de ovário remanescente, tendo sido necessário realizar nova cirurgia para remoção do material ovariano.

A tutora ingressou na Justiça contra a clínica veterinária, que foi condenada a pagar pela nova cirurgia, já que o primeiro procedimento cirúrgico para esterilização do animal não atingiu completamente seu objetivo, devido a erro na técnica cirúrgica utilizada, o que caracteriza má prestação de serviço.

Segundo o perito que analisou o caso, a síndrome do ovário remanescente ocorre quando um fragmento tecidual ovariano permanece na cavidade abdominal após um procedimento de contracepção cirúrgico. Com a retirada incompleta de tecido ovariano, esse tecido residual é revascularizado, tornando-se funcional novamente, permitindo a produção de folículos ovarianos. Dessa forma, com o tempo, o animal passa a apresentar comportamento semelhante ao apresentado durante o cio, porém sem possibilidade de fecundação, pois não possui o restante do aparelho reprodutivo.

O que fazer para se prevenir?

Qualquer profissional está sujeito a ser processado, mesmo se não tiver cometido qualquer erro ou infração. Mas existem algumas formas de se precaver, para diminuir esse risco.

O aspecto mais importante de todos é manter uma boa relação com os tutores, se mostrando atencioso e disponível para esclarecer as dúvidas, e sempre dialogar, explicando tudo sobre a condição do animal: qual é o diagnóstico e o que o causou, prognósticos possíveis, opções de tratamento, riscos e benefícios de cada um, e orientações sobre cuidados a serem tomados em casa. Além de sempre buscar preservar o bem-estar animal, também é essencial que o veterinário esteja continuamente aprimorando os seus conhecimentos, e apenas faça uso de técnicas que sejam reconhecidas cientificamente.

A importância do prontuário

Outro ponto muito importante diz respeito ao prontuário veterinário. O preenchimento adequado do prontuário é uma obrigação instituída pelo Código de Ética da profissão, e uma forma de demonstrar habilidade técnica, respeito e responsabilidade perante o paciente e seu tutor, além de conferir segurança ao profissional.

No prontuário devem constar os dados do paciente e de seu tutor, a identificação do médico veterinário assistente, bem como toda a história clínica do animal, consultas, procedimentos e exames realizados, medicamentos aplicados e receitados, tudo datado e em ordem cronológica, de forma clara e detalhada.

Em caso de um processo ético ou judicial, o prontuário é o documento que respalda a defesa do profissional, comprovando a sua atuação com ética e bases técnicas, pois o que não estiver anotado ou anexado ao prontuário não pode ser considerado realizado, explicado, informado ou consentido. Assim, até mesmo os diálogos com os tutores devem ser registrados em prontuário, pois este documento é a forma de comprovar os fatos ocorridos.

Termo de Consentimento

Outro documento essencial que o veterinário utiliza em sua defesa é o Termo de Consentimento. O veterinário não pode praticar qualquer ato profissional sem o consentimento formal do cliente, exceto em caso de iminente risco de morte ou incapacidade permanente do paciente. Por isso, o veterinário deve ter como parte de sua rotina a elaboração de Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, que devem ser emitidos previamente a qualquer procedimento clínico, cirúrgico, anestésico, exames que ofereça algum risco à saúde do animal, em casos de internação e de eutanásia.

Este documento serve para explicar ao tutor sobre os procedimentos e tratamentos, e também funciona como uma autorização para que sejam realizados. Ele deve conter os dados do médico veterinário, do paciente e seu responsável, a descrição do procedimento a ser realizado, a confirmação de que foi cumprido o preparo pré-cirúrgico – quando for necessário -, a autorização para uso de sedativos ou anestésicos, bem como informações sobre os riscos e complicações inerentes aos procedimentos que possam vir a acontecer.

É muito importante que o responsável pelo animal leia atentamente o Termo de Consentimento e o assine após o veterinário ter explicado e esclarecido qualquer dúvida sobre o que está escrito. Assim, fica comprovado que o veterinário cumpriu com o seu dever de informação, ficando muito mais seguro para exercer a sua atividade profissional, pois a simples falta do dever de informação pode levar a condenações éticas e judiciais.

Estou sendo processado. E agora?

Em primeiro lugar, não se desespere. Como já foi dito acima, qualquer veterinário está sujeito a ser processado, mesmo sem ter cometido qualquer erro ou infração, pois as pessoas possuem o direito de amplo acesso à Justiça, e podem reivindicá-los mesmo sem ter razão.

Ao tomar ciência da existência de um processo, o primeiro passo sempre será procurar pelo seu advogado de confiança, que será o responsável por elaborar a defesa técnica e apresentá-la ao processo. O advogado especializado na área da saúde é o profissional capacitado para representar o veterinário nos processos que este venha a sofrer, seja no Conselho de Medicina ou na Justiça, pois o trâmite do processo possui muitas formalidades, termos técnicos e estratégias que podem embasar a defesa.

Além disso, será preciso reunir toda a documentação referente ao caso em questão, como o prontuário, Termos de Consentimento, resultados de exames, entre outros, e pensar em outras provas que podem ser utilizadas, como por exemplo testemunhas. Mas não se preocupe, pois quanto a isso o advogado irá lhe orientar.

Além de atuar na defesa processual, contar com a assessoria de um advogado especialista nessa área também é muito importante como forma de prevenção, para garantir que o veterinário exerça sua atividade da forma mais correta, sem se sujeitar ao cometimento de infrações, observando, por exemplos, as regras sobre publicidade e se os documentos estão sendo bem redigidos.

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